Blogger Anónimo #3
Crónicas de um Serial-Blogger (continuação e final) by anónimo
E assim o meu relato atinge finalmente os anos da blogoesfera.
A terapia intensiva a que havia sido sujeito permitiu que eu funcionasse como algo semelhante a um ser humano durante alguns anos. Mas a verdade é que o conflito, entre a minha mais profunda natureza comunicativa e a decisão do tribunal, viu o seu trágico final por ocasião do primeiro contacto com um blogue. Navegando incauto pela internet deparei com uma página onde um tipo dissertava sobre a influência de Kierkegaard na produção de sopa enlatada.
Ainda hoje me recordo como as palavras que lia despertaram em mim a recalcada ânsia de comunicar e expressar as minhas ideias. Todo um admirável mundo novo se apresentava à minha disposição.
A determinada altura a lista de blogues que visitava e em que comentava era tão extensa que me vi forçado a prescindir de algumas funções corporais recorrendo à alimentação intravenosa à base de soro e fraldas Dodot. Lia de tudo desde o blogue mais erudito até ao blogue coreano em que não percebia nada do que estava escrito mas a disposição dos caracteres me relaxava até à próxima dose.
Rapidamente os comentários perderam o efeito pretendido e levei o meu vício para o nível seguinte.
Iniciei o meu próprio blogue subordinado ao tema dos padrões migratórios das borboletas asiáticas. A aceitação por parte do público foi tremenda e vi-me cada vez mais imerso no mundo insinuante da blogoesfera.
A minha reclusão era de tal modo profunda, que o único meio de interacção com a minha família e amigos se resumia à caixa de comentários.
Quando a conta de internet assumiu proporções de dívida externa de um pequeno país africano, vi-me forçado a vender o carro, a mobília e a vizinha do 5º esquerdo para manter o vício. Até o fatídico dia em que me cortaram a ligação telefónica e fui despejado do meu apartamento.
Passei a importunar todas as pessoas que conhecia com internet, aparecendo em sua casa às tantas da madrugada dizendo que apenas precisava de fazer um pequeno post.
Apercebi-me que tinha atingido o fundo quando um dia acordei deitado na calçada à porta de um qualquer cyber-café, sem família e amigos. Levantei-me, mãos trémulas ansiosas pelo contacto de um teclado, dois ou três posts encravados na garganta, e caminhei sem propósito ou destino pela ruas da minha vida destroçada...
Nota: Este bloguista, após ter encontrado Jesus,à saída do metro, vive agora num convento franciscano onde dedica os seus dias ao cultivo de um pequeno jardim de begónias.
PN
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